sexta-feira, 9 de novembro de 2007

A ameaça

Durante a minha ausência na Namíbia por motivos de relevância particular este tasco tomou um rumo de porcalhotice libidinosa que urge contrariar a bem dos valores morais que estiveram na base da criação deste Clube familiar. Falemos, portanto, de velhas.

Em particular, como é óbvio, das velhas que escolhem o autocarro como método transportativo de eleição. Começa aliás já por aqui a nuvem espessa de dúvidas que esta espécie nefasta suscita. Será que escolhem? Decerto já todos de vós que alguma vez utilizaram o conforto básico de um nobre autocarro depararam com uma ou mais velhas decrépitas e claramente a faltar-lhes vários naipes para terem um baralho mental completo. Indagaram-se sobre a sua natureza? Os seus objectivos, a sua motivação, o seu background sócio-emocional? Para quê isso quando a gaja dali do banco mais à frente tem um par de mamas capaz de providenciar sustento para o Sudão e o Chad inteiros durante dois anos, não é, seus biltres?

Seja como for, regressando à primeira questão sobre a Velha do Autocarro (denominemo-la como entidade geral, capitalizando para fácil identificação textual). As Velhas do Autocarro não escolhem essa vida. Como existem as Velhas Que Ficam Em Casa Com Os Gatos, ou até mesmo as Velhas Que Ainda Persistem Na Indústria Da Pornografia , ser Velha do Autocarro é um chamamento. O autocarro está para estas velhas como o engalfinhamento em mamas apelativas está para o comum dos Moucos. É o desenrolar inevitável da natureza interna da velha em questão. Assim sendo, a liberdade de escolha que resta à velha é o papel a tomar assim que o autocarro é invadido. Sim, porque estas velhas apenas invadem o autocarro, não têm qualquer destino. Ao contrário da populaça, não é o ir do ponto A ao ponto B, ou da Baixa da Banheira ao Poço do Bispo, que motiva a espera numa qualquer paragem. O destino delas é o próprio autocarro. Uma vez lá dentro, desenrola-se então o seu papel.

O intuito destes seres é fácil de descortinar. Pretendem instaurar uma nova ordem mundial onde o crochet será, em detrimento do futebol, o entretenimento básico da população. Onde seremos forçados a ver tardes inteiras de televisão na TVI. Onde, apesar de não termos um único CD em casa, só gostamos de música que é cantada em português. É necessário erradicar esta pestilência que se abateu sob o nosso sistema de transportes públicos. A responsabilidade é de todos. Para isso, o Clube dos Amigos do Mouco, sempre na vanguarda do conhecimento, elaborou sob a pessoa deste Primo Mouco que vos fala, um estudo básico identificativo das diversas espécies de Velha do Autocarro. Apesar de ser um estudo preliminar, é uma primeira ajuda que vos damos. Numa guerra a primeira coisa a fazer é conhecer o inimigo a fundo, disse o sábio Sun Tzu em A Arte da Guerra. Pois bem, os dados estão lançados. É este o nosso inimigo.

- A Sociável – é a velha que conversa. Com as pessoas que se sentam a seu lado (“a minha neta tem um pullover igualzinho, só que é de outra cor e o desenho é diferente e o dela é feito em macramé”), com as outras velhas (“o doutor disse-me que não é nada mas eu estou convencida que é um câncaro na prosca”), para a geral caso os dois primeiros casos falhem (“já não há respeito hoje em dia, antigamente é que era” ou “ainda disseram ontem que chovia mas afinal faz um rico solinho”). É uma espécie que tem como objectivo o branqueamento da imagem das Velhas do Autocarro entre os inocentes transeuntes. Facilmente controlável caso ignorada. No entanto, exige cautela máxima e presença de espírito, uma vez que ao primeiro sinal de aceitação, mesmo um ligeiro acenar de cabeça, a velha agarra e só larga em caso de saída da viatura pela vítima em passo acelerado.

- A Sinistra – é a velha que vai nos bancos de trás do autocarro, silenciosa, não denotando qualquer identificação nem com outras da sua espécie, com um aspecto físico de quem morreu em 1973 após longos meses de fome, mas sem no entanto nunca adormecer ou dar sinais de quebra física. Esta velha tem a particularidade de já se encontrar no autocarro quando entramos, seja em que paragem for, e de ali permanecer até saírmos, seja também em que paragem for. Suspeita-se de que brotem de sementes postas por Velhas Regulares (ver à frente) nos interstícios dos bancos e que sirvam o papel de sentinelas de guarda quando estas não se encontram presentes.

- A Regular – uma casta superior na hierarquia das Velhas do Autocarro, a Velha Regular é a que apanha sempre o(s) mesmo(s) autocarro(s) (pode ser um de manhã, para ir ao senhor doutor, e outro à tarde para ir à costureira), sempre à mesma hora. Esta velha estabelece contactos e pontes de comunicação por entre os viajantes normais e até funcionários. Sabe quantos filhos tem o motorista e de que doenças sexualmente transmissíveis padece o revisor, e trata pelo nome outros passageiros que tenham o infortúnio de ter que usufruir dessa carreira de forma habitual. “Como está, dona Arlete?” ou “melhor do fígado, Sr. Joel?” são frases típicas. Exibe uma alegria de viver pouco condizente com a sua condição de velha apodrecida pelos anos de amargura, uma arma potente no construir de relações que a alicercem como dona efectiva de uma carreira. Cautela.

- A Insana – uma das espécies mais nocivas de Velha do Autocarro, a Velha Insana é capaz de, sem qualquer aviso prévio ou conjunto de circunstâncias que o justifique, perguntar qual é o melhor autocarro para apanhar para Viana do Castelo enquanto viaja num autocarro de Évora, ou de se começar a babar incontrolavelmente enquanto balbucia o nome do imaginário filho toxicodependente, ou até mesmo de começar a tocar repetidamente nas pessoas e nos embrulhos que levam, enojando com o seu toque frio e esponjoso. Claramente uma espécie cujo objectivo é a intimidação e a desorientação.

- A Que Sai – Todas as velhas estudadas anteriormente primam pela sua permanência. É raríssimo ver qualquer delas sair efectivamente do autocarro, o que é compreensível dada a sua sede de poder. No entanto A Velha Que Sai diferencia-se por isso mesmo. Tem um modus operandi típico. Levanta-se do seu lugar apenas quando o autocarro já se encontra parado no destino que pretende, com a porta aberta e quase a sair. Note-se que o lugar foi cuidadosamente escolhido o mais longe possível da porta, e à janela, para a velha ficar trancada. Dá violentos encontrões em toda a gente por onde passa, e impede as pessoas que estão ainda a tentar chegar à saída de se movimentarem. Ao atingir a saída, apercebe-se que ainda faltam duas paragens. Bloqueia a saída com ar triunfante até lá. Altamente disruptiva do bom funcionar dos transportes públicos.

É este o futuro que queremos para os nossos autocarros de amanhã? Digamos não às Velhas do Autocarro! Combatamos sem piedade nem demora este vírus hediondo! À guerra, companheiros!

10 comentários:

Moyle disse...

Maa isto de velhos andarem de autocarro está pelas horas da morte. é preciso terem uma atenção do caraças, caso contrário acabam cuspidas janela fora, que é o que muito dos utentes dos transportes colectivos já têm vontade de fazer quando as ouvem falar.

black puss in white boots disse...

Finalmente eis que surge alguém "sem medos", eivado de bom senso e meteu estes incautos amigos moucos na ordem. O linguajar deste espaço estava a ficar deveras insolente, um qualquer vão de escadas do drama, do horror, do choque e da tragédia (ler com entoação vocal do Artur Albarran).
Primo mouco, parabéns por tão aprazível observação psico-cosmo-sociológica. Aconselhava-o até a apresentar a tese numa universidade sénior perto de si.
E se me permite a pescada despropositada, só ficou a faltar nas suas (brilhantes) categorias sóvelhas, a chamada velha beijoqueira e/ou babuja.
Poderíamos estar a referir-nos a mamíferos ruminantes ou a insectos que andam à tona da água, mas não, esta categoria surge na linha de afectos de consanguinidade ou vizinhança da Progenitora Fundadora, vulgo Vóvó. Sempre ao virar de cada esquina ou à porta da padaria ou do sr. Alfredo dos legumes frescos e fofos surge esta velha. Munida da sua placa, espera ansiosamente por uma bochecha alheia para afiambrar um beijo ou vários pequeninos de seguida repenicados, sonoros e estridentes de sucção ósseo-muscular.
Depois do acto em si deixa sempre um rasto fulminante, um pedaço de baba, viscosa e dilacerante. (blhac e mais blhac!!). Acabe-se com estas ameaças, portantus.

C. S. Lima disse...

Achei especialmente importante que se tenha referido o omnipresente câncaro da prosca. Já pude sentir na minha própria pele os dons maléficos de todas as velhas aqui referidas. Eu sou, aliás, com este meu ar cândido e angelical, uma espécie de íman para estas criaturas que não largam quem tem o azar de cruzar olhares com elas. Faltaria, talvez, um estudo semelhante a propósito dos Doidos de Autocarro. Há alguns anos atrás (ainda D. Afonso Henriques andava a matar Mouros) apanhei um semelhante Doido: entrou no autocarro, fez questão de apertar a mão a *toda* a gente, começou a contar piadas e no fim voltou a percorrer o interior do autocarro para recolher umas moedas pelos passageiros!

Pedro Correia ou Poeta Acácio disse...

ó caro primo mouco, faltam aí mais duas velhas do Autocarro:
Há a velha perfumada: aquela que normalmente vem com um fedor... perdão... aroma a vários meses sem lavar partes baixas.
e a velha-pede-informações: Normalmente pede informações e, após um bocadinho de tempo, mete a 4ª, transforma-se (qual Power Ranger qual quê!) na velha sociável, começando a meter conversa, tipo: Sabia? Uma pessoa nunca deve confiar na voz social! A mim ninguém me passa a perna... etc.. etc.;

Já agora, há casos em que todas esssas velhas (excepto a velha sinistra) chagam ao autocarro, e o tipo que vai sentado no lugar prioritário leva com um bafo e com a pergunta mais temida de todas: "olhe! Desculpe... não me podia ceder o lugar? é que o meu reumático..." e depois é aturar as historietas dela tipo: «O meu neto foi à "psicólia"» ou um «sabe que vai ser poribido falar pelo irocular?»

TENHO DITO

Pedro Correia ou Poeta Acácio disse...

... já agora... era «chegam» que eu queria dizer!

TENHO DITO

Artista Mouco disse...

Acho que a expressão certa seria mesmo CHAGAM!
De chagas, como as de Cristo!
A sofrer por nós com 2000 anos de antecedência, antes do advento do autocarro e das suas singelas passageiras.

Pedro Correia ou Poeta Acácio disse...

por acaso... também se aplica a expressão "chagam"! Uma vez que, quando estas accionam o botão ON, tornam-se uma verdadeira chaga!

TENHO DITO

TheObZen disse...

amigo primo mouco, tocaste numa das minhas predilecções: a gereontofilia!

nihil disse...

até que idade fodes velhas, povko?

TheObZen disse...

Até há bem pouco tempo só tocava em MILFs sem rugas, mas agora até encontro gozo na necrofilia... desde que a velha não tenha entrado ainda em decomposição.