"Numa manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregor Samsa deu por si na cama transformado num gigantesco insecto. Estava deitado sobre o dorso, tão duro que parecia revestido de metal, e, ao levantar um pouco a cabeça, divisou o arredondado ventre castanho dividido em duros segmentos arqueados, sobre o qual a colcha dificilmente mantinha a posição e estava a ponto de escorregar. Comparadas com o resto do corpo, as inúmeras pernas, que eram miseravelmente finas, agitavam-se desesperadamente diante de seus olhos."
Assim ecoa, desde o longínquo ano de 1915, o primeiro parágrafo de "A Metamorfose", uma das obras literárias mais relevantes e perturbadoras do séc.XX. De facto, a desesperança do ser evidente neste tomo repleto de uma transbordante crise Modernista encontra paralelos directos mesmo nos dias de hoje, sociedade avançada e progressista que pretendemos levianamente ser. Refiro-me, obviamente, a Fernando Rocha.
Personagem incontornável da intelectualidade nacional há quase uma década, Fernando Rocha já era nome icónico das famílias deste país muito antes de atingir com estrondo os nossos ecrãs televisivos em emissões míticas de "Ri-te, ri-te" ou "Levanta-te e ri". Aí, Rocha era a extensão visual do fenómeno cultural que foi a sua actividade anterior. Sozinho, ou single-handedly, como dizem os nossos irmãos do Zimbabwe (onde a língua oficial é o inglês), Rocha revitalizou um mercado injustamente relegado para os expositores metálicos de cassetes à porta dos cafés - o do CD de anedotas. Por alturas de 2002, poucos seriam os que não fariam das anedotas do Rocha dieta diária, tocando-as repetidamente como se de temas do Nel Monteiro ou dos ...And You Will Know Us By The Trail Of Dead se tratassem, rindo a bandeiras despregadíssimas a cada enésima repetição do punchline esperado, e rindo até mesmo em antecipação à medida que já se conseguia reproduzir, ipsis verbis, o luminoso texto humorístico.
Um feito destes não é obra do acaso - Rocha é um linguista exímio e soube utilizar as ferramentas certas para a sua arte. O que o diferenciou de qualquer Carlos Miguel que nunca vendeu mais do que 12 cassetes a uma família de emigrantes que precisava de qualquer coisa para ouvir no Opel alugado quando estavam de férias em Portugal foi precisamente a sua mestria socio-linguística do nosso idioma, dando à populaça o que a populaça desejava. Através de golpes de vernáculo sabiamente aplicados, com Cwaralhos e Fwodasses amplamente distribuidos pelo discurso, Rocha soube levantar textos à partida insípidos a verdadeiras pérolas da fina arte da comédia. Façam a experiência - anotem os textos e retirem qualquer palavra que não digam por hábito em frente das vossas mães, a menos que as vossas mães usem rolos velhos no cabelo e costumem ir para a rua depois das 23h usando a saia da vossa irmã mais pequena. O que vos resta? Uma anedota parva. Isto é classe, caros amigos.
Durante anos, Rocha brindou primeiro as nossas aparelhagens e posteriormente os nossos aparelhos de televisão com sonoros palavrões, como soi dizer-se, atribuindo-lhes uma cândida inocência regionalista que cativou a família mais conservadora. Quantos filhos não serão hoje capazes de responder verdadeiramente o que lhes vai na alma aos seus progenitores, à custa da revolução social de Rocha? Um simples "come tu a puta da sopa, minha mal-fowdida do cwaralho!" seria impensável a uma criança de 9 anos nos escuros anos 90. Hoje já não é assim, e temos a agradecer a este homem. O seu aspecto parvo, com bigode ralo e dentes separados, as caretas forçadas, tudo isto serviu meticulosamente o propósito de trazer alegria às nossas vidas.
Pois bem, Rocha é hoje um homem diferente. Numa metamorfose quase replicada do pobre Gregor Samsa, Rocha terá dado por si na cama um dia, transformado num gigantesco conas. Com uma diferença essencial.
"Que me aconteceu? - pensou. Não era um sonho," prossegue a obra de Kafka. A diferença é que esta indagação não terá assaltado Rocha - a metamorfose deste dá todos os indícios de ser intencional, o que a torna muito mais perniciosa e passível de julgamento por uma sociedade indignada e traída no que tinha de mais puro. Rocha é hoje o apresentador de um concurso televisivo, transmitido ao final da tarde, que segue na longa tradição dos concursos agrada-velhas que as estações televisivas portuguesas nos têm brindado ao largo de várias décadas. É o concurso com participação "lá de casa", para o qual pessoas chamadas Ermelinda e Adérito ligam dos seus telefones fixos onde ainda têm que discar o número, é o concurso que as avós vêem com os netos, enquanto os pais não chegam a casa após mais um longo e árduo dia de labuta. A menos que as mães usem rolhos velhos e, bom, o resto. É o concurso que atrai o habitual público imbecil, acéfalo e profundamente bonzinho - é vê-los a aplaudir insistentemente, incessantemente, com uma alegria transbordante, qualquer movimento que se passe no palco de todos os sonhos, onde o objectivo nunca é ganhar mas sim participar, mas cuja única motivação é o sujo Euro.
Pois bem, para um festival de capitalismo queridinho destes, requer-se um poster boy da correcção moral como frontman. Como terá surgido no brainstorming dos produtores o nome de Fernando Rocha, para sempre permanecerá um mistério. Mas surgiu, e agora é ver o bom do Rocha careca, barbeado, vestido com roupas "giras", porque é um "maluco", fazendo alguns suaves disparates, porque é um "malandro", e entoando uma correcção verbal e social de comover o mais empedernido salazarista.
Uma das divertidas provas envolve pinhatas, e é ver o bom do Rocha a resistir há meses a qualquer tipo de trocadilho verbal com a palavra sugestiva. A assistente Soraia, que tem umas mamas que incitam qualquer um à mais espalhafatosa das chafurdices, mantem-se incólume, vítima apenas de um fraternal braço por cima do ombro ocasionalmente. Ao mencionar numa qualquer historieta, contada enquanto esperava por mais um telefonema campónio, um casal que copulava frenetica e ruidosamente, Rocha referiu-se ao acto como "namorar". Ao atender uma chamada de um adepto dessa colectividade pútrida chamada Benfica, Rocha, conhecido apoiante de uma igualmente pútrida associação conhecida pelo seu ódio fétido ao dito Benfica, mandou de imediato calar o "maroto" do público, porque "cada um é do clube que gosta".
No trepidante final de "A Metamorfose", após angustiantes acontecimentos, Samsa tomba morto, sendo descoberto pela empregada da limpeza. Não sabemos se Rocha terá uma profissional do asseio tratando-lhe do pó e demais sujidades, mas caso tenha, resta-nos uma esperança - que, como tantas vezes acontece, a literatura e a realidade se unam num todo equitativo, replicando acontecimentos vividos num e noutro, até ao êxtase do não mais saber o que é literatura e o que é realidade, de tão unas e inseparáveis que se tornam.
Assim ecoa, desde o longínquo ano de 1915, o primeiro parágrafo de "A Metamorfose", uma das obras literárias mais relevantes e perturbadoras do séc.XX. De facto, a desesperança do ser evidente neste tomo repleto de uma transbordante crise Modernista encontra paralelos directos mesmo nos dias de hoje, sociedade avançada e progressista que pretendemos levianamente ser. Refiro-me, obviamente, a Fernando Rocha.
Personagem incontornável da intelectualidade nacional há quase uma década, Fernando Rocha já era nome icónico das famílias deste país muito antes de atingir com estrondo os nossos ecrãs televisivos em emissões míticas de "Ri-te, ri-te" ou "Levanta-te e ri". Aí, Rocha era a extensão visual do fenómeno cultural que foi a sua actividade anterior. Sozinho, ou single-handedly, como dizem os nossos irmãos do Zimbabwe (onde a língua oficial é o inglês), Rocha revitalizou um mercado injustamente relegado para os expositores metálicos de cassetes à porta dos cafés - o do CD de anedotas. Por alturas de 2002, poucos seriam os que não fariam das anedotas do Rocha dieta diária, tocando-as repetidamente como se de temas do Nel Monteiro ou dos ...And You Will Know Us By The Trail Of Dead se tratassem, rindo a bandeiras despregadíssimas a cada enésima repetição do punchline esperado, e rindo até mesmo em antecipação à medida que já se conseguia reproduzir, ipsis verbis, o luminoso texto humorístico.
Um feito destes não é obra do acaso - Rocha é um linguista exímio e soube utilizar as ferramentas certas para a sua arte. O que o diferenciou de qualquer Carlos Miguel que nunca vendeu mais do que 12 cassetes a uma família de emigrantes que precisava de qualquer coisa para ouvir no Opel alugado quando estavam de férias em Portugal foi precisamente a sua mestria socio-linguística do nosso idioma, dando à populaça o que a populaça desejava. Através de golpes de vernáculo sabiamente aplicados, com Cwaralhos e Fwodasses amplamente distribuidos pelo discurso, Rocha soube levantar textos à partida insípidos a verdadeiras pérolas da fina arte da comédia. Façam a experiência - anotem os textos e retirem qualquer palavra que não digam por hábito em frente das vossas mães, a menos que as vossas mães usem rolos velhos no cabelo e costumem ir para a rua depois das 23h usando a saia da vossa irmã mais pequena. O que vos resta? Uma anedota parva. Isto é classe, caros amigos.
Durante anos, Rocha brindou primeiro as nossas aparelhagens e posteriormente os nossos aparelhos de televisão com sonoros palavrões, como soi dizer-se, atribuindo-lhes uma cândida inocência regionalista que cativou a família mais conservadora. Quantos filhos não serão hoje capazes de responder verdadeiramente o que lhes vai na alma aos seus progenitores, à custa da revolução social de Rocha? Um simples "come tu a puta da sopa, minha mal-fowdida do cwaralho!" seria impensável a uma criança de 9 anos nos escuros anos 90. Hoje já não é assim, e temos a agradecer a este homem. O seu aspecto parvo, com bigode ralo e dentes separados, as caretas forçadas, tudo isto serviu meticulosamente o propósito de trazer alegria às nossas vidas.
Pois bem, Rocha é hoje um homem diferente. Numa metamorfose quase replicada do pobre Gregor Samsa, Rocha terá dado por si na cama um dia, transformado num gigantesco conas. Com uma diferença essencial.
"Que me aconteceu? - pensou. Não era um sonho," prossegue a obra de Kafka. A diferença é que esta indagação não terá assaltado Rocha - a metamorfose deste dá todos os indícios de ser intencional, o que a torna muito mais perniciosa e passível de julgamento por uma sociedade indignada e traída no que tinha de mais puro. Rocha é hoje o apresentador de um concurso televisivo, transmitido ao final da tarde, que segue na longa tradição dos concursos agrada-velhas que as estações televisivas portuguesas nos têm brindado ao largo de várias décadas. É o concurso com participação "lá de casa", para o qual pessoas chamadas Ermelinda e Adérito ligam dos seus telefones fixos onde ainda têm que discar o número, é o concurso que as avós vêem com os netos, enquanto os pais não chegam a casa após mais um longo e árduo dia de labuta. A menos que as mães usem rolhos velhos e, bom, o resto. É o concurso que atrai o habitual público imbecil, acéfalo e profundamente bonzinho - é vê-los a aplaudir insistentemente, incessantemente, com uma alegria transbordante, qualquer movimento que se passe no palco de todos os sonhos, onde o objectivo nunca é ganhar mas sim participar, mas cuja única motivação é o sujo Euro.
Pois bem, para um festival de capitalismo queridinho destes, requer-se um poster boy da correcção moral como frontman. Como terá surgido no brainstorming dos produtores o nome de Fernando Rocha, para sempre permanecerá um mistério. Mas surgiu, e agora é ver o bom do Rocha careca, barbeado, vestido com roupas "giras", porque é um "maluco", fazendo alguns suaves disparates, porque é um "malandro", e entoando uma correcção verbal e social de comover o mais empedernido salazarista.
Uma das divertidas provas envolve pinhatas, e é ver o bom do Rocha a resistir há meses a qualquer tipo de trocadilho verbal com a palavra sugestiva. A assistente Soraia, que tem umas mamas que incitam qualquer um à mais espalhafatosa das chafurdices, mantem-se incólume, vítima apenas de um fraternal braço por cima do ombro ocasionalmente. Ao mencionar numa qualquer historieta, contada enquanto esperava por mais um telefonema campónio, um casal que copulava frenetica e ruidosamente, Rocha referiu-se ao acto como "namorar". Ao atender uma chamada de um adepto dessa colectividade pútrida chamada Benfica, Rocha, conhecido apoiante de uma igualmente pútrida associação conhecida pelo seu ódio fétido ao dito Benfica, mandou de imediato calar o "maroto" do público, porque "cada um é do clube que gosta".
No trepidante final de "A Metamorfose", após angustiantes acontecimentos, Samsa tomba morto, sendo descoberto pela empregada da limpeza. Não sabemos se Rocha terá uma profissional do asseio tratando-lhe do pó e demais sujidades, mas caso tenha, resta-nos uma esperança - que, como tantas vezes acontece, a literatura e a realidade se unam num todo equitativo, replicando acontecimentos vividos num e noutro, até ao êxtase do não mais saber o que é literatura e o que é realidade, de tão unas e inseparáveis que se tornam.
6 comentários:
Realmente... Quem o viu e quem o vê. Ainda me lembro de pôr uma multidão de alemães a rir com as anedotas do Rocha -- e, tendo em conta que nenhum deles falava uma única palavrinha de português, isso só poderá ser uma prova da genialidade do homem. Humor por osmose, provavelmente. Ou contágio, talvez... Eu sei bem que até ficava com dores de barriga quando o ouvia a soltar mais um daqueles palavrões deliciosos no meio de uma anedota que, de outra forma, seria totalmente inútil. Cwaralho, afinal quem é que resiste à história do puto de 6 anos que entra num bordel e, a plenos pulmões, berra para a madame: "quero uma puta com SIDA... UMA PUTA COM SIDA!". :)
Hoje em dia seria impensável ouvir o Rocha a contar uma anedota desse género e isso, caros amigos, é uma enorme tristeza. Chegar à conclusão que o Rocha se transformou num CONAS sem emenda é como morrer um bocadinho por dentro.
O Rocha é "O" inimigo!
O Rocha é um coneta!
O Rocha é um CONA!
Mas, amigo chefe, quem de nós nunca morreu um bocadinho por dentro por causa de conas?
Que escrita de fino recorte! Que classe, que estilo. Moucos, estao de parabens.
Agradeço efusivamente, com tendências suspeitamente eróticas, cara Izzy -
assumo implicitamente a sua feminilidade com alguma prudência mas com determinação.
Aceito com humildade o elogio, mas guardo-o só para mim (na cave, onde guardo outras coisas), porque os outros Moucos são gente pouco dada a Kafka (um deles é mais Dostoyevsky, imagine) e nem a correcção ortográfica do texto foram capazes de me fazer.
Oh Primo Mouco, por quem eh! Nao tem nada a agradecer. Venham de la essas tendencias eroticas.
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